A gente nunca sabe o que vai encontrar num laboratório de um Biomédico. Em meio a fotos, adesivos, chaveiros e até um colar havaiano remetendo ao estilo de vida de um surfista, tive a oportunidade de conhecer um profissional exemplo para todos nós graduandos. Seu nome é Álvaro Luiz Bertho, Biomédico formado pela UNIRIO, pesquisador da FIOCRUZ e nada menos que o primeiro citometrista de fluxo do Brasil.
Raphael Trindade: Por que você escolheu o curso de Biomedicina?
Álvaro Luiz: Bom, para ser sincero eu entrei para cursar Ciências Biológicas. Naquela época a profissão de Biomedicina ainda não era regulamentada e eu entrei meio por acaso no curso. Era a primeira turma de Ciências Biológicas (modalidade médica) na UNIRIO e inclusive fazíamos as matérias do curso básico todas junto com a Medicina porque ainda não havia uma grade definida. Mas para mim foi uma surpresa gratificante porque no fundo eu sempre tive vontade de trabalhar com pesquisa e as disciplinas do currículo tinham tudo a ver com a FIOCRUZ. Na verdade não entrei para cursar Biomedicina, mas foi uma surpresa que acabou norteando minha carreira profissional. Após me formar prestei a prova para o Curso de Mestrado da Fiocruz e assim ingressei nesta Instituição até os dias atuais. Também fiz o Doutorado na Fiocruz e durante este trabalhei como consultor científico do setor de Imunologia no Laboratório Dr. Sérgio Franco de 1996 a 2001.
RT: Como a Biomedicina era vista na época em que você cursou?
AL: Ela era nova, a UNIRIO (que ainda não era nem isso) tinha cursos muito fortes com suas faculdades integradas (como o de Medicina) e, para se tornar uma Universidade foi preciso que ela criasse alguns cursos e a Ciências Biológicas (modalidade médica) foi um deles. Na verdade ninguém sabia o que era isso exatamente e havia até uma discriminação, principalmente por parte da Medicina. Mas na verdade, até hoje meu pai e alguns conhecidos meus acham que eu faço Biologia porque o curso, até pouco tempo atrás, era desconhecido. Isso é difícil para os Biomédicos. Muita gente desistiu porque a grade curricular começava com disciplinas que não tinham relação direta com o curso, só entrávamos em contato com Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Farmacologia, por exemplo, mais pra frente. Acho que quando estava no meio do curso é que as Ciências Biológicas (modalidade médica) se tornou Biomedicina de fato, com a sua regulamentação.
RT: Como você avalia o período da graduação (as matérias, estágios...)?
AL: O início foi muito ruim, por causa da grade curricular. Depois que a profissão foi regulamentada o curso ficou mais estruturado. Por outro lado, o fato de estarmos fazendo matérias com a Medicina facilitou para a minha atuação na FIOCRUZ (mas isso a partir do 4º, 5º período). Os dois primeiros anos eram muito fracos e eu tinha aula de 16h às 20h, por isso que muita gente desistiu. Mas no final ficou mais interessante. Eu também não tive acesso a estágio nenhum, só fiz monitoria nos laboratórios de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia. Esse esquema de estágios curriculares de hoje não existia na minha graduação. O que acho extremamente válido.
RT: Como e por que você começou a trabalhar com Citometria de Fluxo?
AL: Isso foi o destino, quando eu vim fazer o mestrado no então Departamento de Protozoologia cujo chefe era o Dr. Sérgio Coutinho, que era um médico e era pesquisador na FIOCRUZ. Ele tinha passado um tempo na Suíça e entrou em contato com o equipamento de citometria de fluxo. Lá no exterior os citômetros eram ferramentas fundamentais para o estudo da Imunologia (identificação de células, monitoramento de população etc). Quando voltou o Dr. Sérgio tentou por anos convencer a Diretoria do Instituto Oswaldo Cruz, Unidade de Pesquisa da Fiocruz, para a aquisição de um citômetro de fluxo. No entanto era um equipamento caríssimo e só era possível obtê-lo se a FIOCRUZ como Instituição Federal comprasse. Finalmente então foi comprado o primeiro citômetro de fluxo no Brasil e foi instalado em nosso laboratório. Na época eu desenvolvia minha Dissertação de mestrado, que não tinha nada a ver com citometria na verdade e, talvez pela minha aptidão com computadores e curiosidade, ele me convidou para fazer o treinamento no exterior para aprender a operar o citômetro e eu fui. A partir daí não parei mais. Hoje trabalho com citometria há 25 anos.
RT: Quais as principais contribuições que a citometria ofereceu para a área da pesquisa no Brasil?
AL: Essa ferramenta é fundamental para a Biomedicina como um todo. Ele tem várias aplicações, até na biologia marinha! Para você ter uma idéia, todo laboratório clínico precisa ter um citômetro hoje em dia para confirmar o diagnóstico de leucemias e linfomas; e o monitoramento da terapia anti-retoviral (HART) também é feito por citometria de fluxo. Na nossa realidade brasileira só esses dois pontos justificam a importância. Existe uma rede do ministério da saúde que faz não só a dosagem do CD4 e CD8 (linfócitos T) como o monitoramento. Além disto, todo trabalho envolvendo pesquisa na área de imunologia e biologia celular se utiliza da citometria de fluxo. Eu falo para os meus alunos: na Biomedicina você tem que saber biologia molecular e/ou citometria de fluxo para garantir seu mercado de trabalho tanto na pesquisa quanto na clínica porque 90% das pessoas trabalham com isso.
RT: Como você avalia a Biomedicina na área atual no país?
AL: Como profissão ela cresceu muito. O Biomédico hoje tem muito mais oportunidades do que eu tive. Se a gente pensar em laboratório clínico (onde havia muitos biólogos, farmacêuticos e médicos), hoje a realidade é a maioria de Biomédicos, principalmente em São Paulo. Aqui na FIOCRUZ, nesse nicho de pesquisadores onde havia muitos médicos houve um aumento significativo, só no meu laboratório somos todos Biomédicos. Vejo também a área de acupuntura que o Biomédico pode exercer, a área de engenharia de alimentos, área de fertilização, recentemente a estética... Eu tenho um amigo que é Biomédico que abriu uma empresa que vende reagentes de biologia molecular e ele é formado pela UNIRIO. Hoje você vai preencher um formulário no imposto de renda e já consta como profissão.
Acredito que para o reconhecimento pleno da profissão é necessário haver divulgação e aprimoramento dos cursos. As faculdades devem investir em profissionais Biomédicos para ministrar aulas para os cursos de Biomedicina.
RT: Você se considera satisfeito com a profissão?
AL: Sinto-me realizado, estou numa instituição como a FIOCRUZ (uma das maiores instituições de pesquisa do mundo), Trabalhei durante 7 anos num dos maiores laboratórios de análises clínicas do mundo (o Sérgio Franco), estou ministrando aulas em uma Universidade que me permitiu passar meu conhecimento para alunos da Biomedicina (um pouco do que fiz para chegar onde estou), e tenho a oportunidade de incentiva-los a aprimorarem seus conhecimentos fazendo Mestrado e Doutorado. Financeiramente não vou dizer que estou realizado, a gente faz isso porque gosta. Na nossa profissão ninguém vai ficar rico, essa é uma realidade. Quem tem a pretensão de ficar rico tem que fazer economia, administração... trabalhar com comércio ou política.... mas dá para viver razoavelmente bem.
RT: Como você vê o futuro da Pesquisa no nosso país?
AL: Eu acho que a pesquisa no Brasil vai continuar sendo excelente, pelas pessoas que estão nela e pelas pessoas que estão entrando nela. O problema todo é o governo, porque como nós somos funcionários dele estamos à mercê das suas atitudes. Esse ano a FIOCRUZ sofreu um corte de verbas absurdo. Tivemos um concurso que está bloqueado pelo nosso governo federal. É complicado, ainda mais a área da saúde porque a maioria das pesquisas é básica e o que o governo quer é que a gente invente vacina, só que pra chegar até a vacina você tem que ter uma base. A sociedade não tem noção disso e muito menos o governo.
RT: O que você considera, com relação aos aspectos da sua personalidade, que contribuiu para o seu sucesso profissional?
AL: Perseverança (focar no que se deseja; visualizar as oportunidades e mergulhar de cabeça); curiosidade (você tem que tentar aprender, mexer etc hoje a internet facilita demais isto! Não tinha na minha época...). Certa dose de flexibilidade também é necessária para que não haja uma decepção pelo fato de não ficar rico. Nossa riqueza é o nosso conhecimento.
RT: Você gostaria de dizer algo aos estudantes de Biomedicina da UNIRIO atuais?
AL: Sim, se você optou por essa profissão por um sonho, você tem que correr atrás. Agora, se você está na Biomedicina porque não passou pra Medicina, aí eu não tenho muito a dizer pra essa pessoa (geralmente esse é o bio/médico frustrado).
Raphael Trindade: Por que você escolheu o curso de Biomedicina?
Álvaro Luiz: Bom, para ser sincero eu entrei para cursar Ciências Biológicas. Naquela época a profissão de Biomedicina ainda não era regulamentada e eu entrei meio por acaso no curso. Era a primeira turma de Ciências Biológicas (modalidade médica) na UNIRIO e inclusive fazíamos as matérias do curso básico todas junto com a Medicina porque ainda não havia uma grade definida. Mas para mim foi uma surpresa gratificante porque no fundo eu sempre tive vontade de trabalhar com pesquisa e as disciplinas do currículo tinham tudo a ver com a FIOCRUZ. Na verdade não entrei para cursar Biomedicina, mas foi uma surpresa que acabou norteando minha carreira profissional. Após me formar prestei a prova para o Curso de Mestrado da Fiocruz e assim ingressei nesta Instituição até os dias atuais. Também fiz o Doutorado na Fiocruz e durante este trabalhei como consultor científico do setor de Imunologia no Laboratório Dr. Sérgio Franco de 1996 a 2001.
RT: Como a Biomedicina era vista na época em que você cursou?
AL: Ela era nova, a UNIRIO (que ainda não era nem isso) tinha cursos muito fortes com suas faculdades integradas (como o de Medicina) e, para se tornar uma Universidade foi preciso que ela criasse alguns cursos e a Ciências Biológicas (modalidade médica) foi um deles. Na verdade ninguém sabia o que era isso exatamente e havia até uma discriminação, principalmente por parte da Medicina. Mas na verdade, até hoje meu pai e alguns conhecidos meus acham que eu faço Biologia porque o curso, até pouco tempo atrás, era desconhecido. Isso é difícil para os Biomédicos. Muita gente desistiu porque a grade curricular começava com disciplinas que não tinham relação direta com o curso, só entrávamos em contato com Microbiologia, Imunologia, Parasitologia e Farmacologia, por exemplo, mais pra frente. Acho que quando estava no meio do curso é que as Ciências Biológicas (modalidade médica) se tornou Biomedicina de fato, com a sua regulamentação.
RT: Como você avalia o período da graduação (as matérias, estágios...)?
AL: O início foi muito ruim, por causa da grade curricular. Depois que a profissão foi regulamentada o curso ficou mais estruturado. Por outro lado, o fato de estarmos fazendo matérias com a Medicina facilitou para a minha atuação na FIOCRUZ (mas isso a partir do 4º, 5º período). Os dois primeiros anos eram muito fracos e eu tinha aula de 16h às 20h, por isso que muita gente desistiu. Mas no final ficou mais interessante. Eu também não tive acesso a estágio nenhum, só fiz monitoria nos laboratórios de Microbiologia, Imunologia e Parasitologia. Esse esquema de estágios curriculares de hoje não existia na minha graduação. O que acho extremamente válido.
RT: Como e por que você começou a trabalhar com Citometria de Fluxo?
AL: Isso foi o destino, quando eu vim fazer o mestrado no então Departamento de Protozoologia cujo chefe era o Dr. Sérgio Coutinho, que era um médico e era pesquisador na FIOCRUZ. Ele tinha passado um tempo na Suíça e entrou em contato com o equipamento de citometria de fluxo. Lá no exterior os citômetros eram ferramentas fundamentais para o estudo da Imunologia (identificação de células, monitoramento de população etc). Quando voltou o Dr. Sérgio tentou por anos convencer a Diretoria do Instituto Oswaldo Cruz, Unidade de Pesquisa da Fiocruz, para a aquisição de um citômetro de fluxo. No entanto era um equipamento caríssimo e só era possível obtê-lo se a FIOCRUZ como Instituição Federal comprasse. Finalmente então foi comprado o primeiro citômetro de fluxo no Brasil e foi instalado em nosso laboratório. Na época eu desenvolvia minha Dissertação de mestrado, que não tinha nada a ver com citometria na verdade e, talvez pela minha aptidão com computadores e curiosidade, ele me convidou para fazer o treinamento no exterior para aprender a operar o citômetro e eu fui. A partir daí não parei mais. Hoje trabalho com citometria há 25 anos.
RT: Quais as principais contribuições que a citometria ofereceu para a área da pesquisa no Brasil?
AL: Essa ferramenta é fundamental para a Biomedicina como um todo. Ele tem várias aplicações, até na biologia marinha! Para você ter uma idéia, todo laboratório clínico precisa ter um citômetro hoje em dia para confirmar o diagnóstico de leucemias e linfomas; e o monitoramento da terapia anti-retoviral (HART) também é feito por citometria de fluxo. Na nossa realidade brasileira só esses dois pontos justificam a importância. Existe uma rede do ministério da saúde que faz não só a dosagem do CD4 e CD8 (linfócitos T) como o monitoramento. Além disto, todo trabalho envolvendo pesquisa na área de imunologia e biologia celular se utiliza da citometria de fluxo. Eu falo para os meus alunos: na Biomedicina você tem que saber biologia molecular e/ou citometria de fluxo para garantir seu mercado de trabalho tanto na pesquisa quanto na clínica porque 90% das pessoas trabalham com isso.
RT: Como você avalia a Biomedicina na área atual no país?
AL: Como profissão ela cresceu muito. O Biomédico hoje tem muito mais oportunidades do que eu tive. Se a gente pensar em laboratório clínico (onde havia muitos biólogos, farmacêuticos e médicos), hoje a realidade é a maioria de Biomédicos, principalmente em São Paulo. Aqui na FIOCRUZ, nesse nicho de pesquisadores onde havia muitos médicos houve um aumento significativo, só no meu laboratório somos todos Biomédicos. Vejo também a área de acupuntura que o Biomédico pode exercer, a área de engenharia de alimentos, área de fertilização, recentemente a estética... Eu tenho um amigo que é Biomédico que abriu uma empresa que vende reagentes de biologia molecular e ele é formado pela UNIRIO. Hoje você vai preencher um formulário no imposto de renda e já consta como profissão.
Acredito que para o reconhecimento pleno da profissão é necessário haver divulgação e aprimoramento dos cursos. As faculdades devem investir em profissionais Biomédicos para ministrar aulas para os cursos de Biomedicina.
RT: Você se considera satisfeito com a profissão?
AL: Sinto-me realizado, estou numa instituição como a FIOCRUZ (uma das maiores instituições de pesquisa do mundo), Trabalhei durante 7 anos num dos maiores laboratórios de análises clínicas do mundo (o Sérgio Franco), estou ministrando aulas em uma Universidade que me permitiu passar meu conhecimento para alunos da Biomedicina (um pouco do que fiz para chegar onde estou), e tenho a oportunidade de incentiva-los a aprimorarem seus conhecimentos fazendo Mestrado e Doutorado. Financeiramente não vou dizer que estou realizado, a gente faz isso porque gosta. Na nossa profissão ninguém vai ficar rico, essa é uma realidade. Quem tem a pretensão de ficar rico tem que fazer economia, administração... trabalhar com comércio ou política.... mas dá para viver razoavelmente bem.
RT: Como você vê o futuro da Pesquisa no nosso país?
AL: Eu acho que a pesquisa no Brasil vai continuar sendo excelente, pelas pessoas que estão nela e pelas pessoas que estão entrando nela. O problema todo é o governo, porque como nós somos funcionários dele estamos à mercê das suas atitudes. Esse ano a FIOCRUZ sofreu um corte de verbas absurdo. Tivemos um concurso que está bloqueado pelo nosso governo federal. É complicado, ainda mais a área da saúde porque a maioria das pesquisas é básica e o que o governo quer é que a gente invente vacina, só que pra chegar até a vacina você tem que ter uma base. A sociedade não tem noção disso e muito menos o governo.
RT: O que você considera, com relação aos aspectos da sua personalidade, que contribuiu para o seu sucesso profissional?
AL: Perseverança (focar no que se deseja; visualizar as oportunidades e mergulhar de cabeça); curiosidade (você tem que tentar aprender, mexer etc hoje a internet facilita demais isto! Não tinha na minha época...). Certa dose de flexibilidade também é necessária para que não haja uma decepção pelo fato de não ficar rico. Nossa riqueza é o nosso conhecimento.
RT: Você gostaria de dizer algo aos estudantes de Biomedicina da UNIRIO atuais?
AL: Sim, se você optou por essa profissão por um sonho, você tem que correr atrás. Agora, se você está na Biomedicina porque não passou pra Medicina, aí eu não tenho muito a dizer pra essa pessoa (geralmente esse é o bio/médico frustrado).